Donuts fofinhos, Charles Darwin e Extinções

cinema, seres pré-históricos, extinção, meio ambiente

Giovana Vendruscolo

Extinções resultam em perda de espécies que evoluíram no Planeta Terra por milhões de anos!

Paul H. Harvey, Universidade de Oxford.

Era para ser só mais um filme infantil, mas começa com Charles Darwin navegando no veleiro Beagle, no ano de 1835. Pronto! Melhor sentar e ver o filme com as crianças.

cena de Charles Darwin jovem a bordo do Beagle, no filme Flummels: Extintos!
cena de Charles Darwin jovem a bordo do Beagle, no filme Flummels: Extintos!
Charles Darwin
Charles Darwin

Jovem Charles Darwin no Beagle, representado no filme “Flummels: Extintos!”.

Fonte: https://www.adorocinema.com

Representação real de Charles Darwin mais velho

Para diminuir a empolgação inicial dos biólogos, aparece uma pequena ilha com uma espécie de animal que parece uma rosquinha. Isto mesmo, são animais coloridos que parecem donuts fofinhos. Neste momento as crianças começam a gostar e vão assistir ao filme empolgadas! E os biólogos também, porque estão intrigados e querem saber o desenrolar do filme. O filme se chama “Flummels: Extintos!” ou “Extinct”, no título original.

Os animais que parecem donuts, os flummels, são os personagens principais do filme. Receberam até nome científico fictício (Flummelius hidelia), mas com certeza não existem! Na história, sem querer, dois irmãos flummels viajam no tempo para o futuro e descobrem que foram extintos. Para tentar salvar sua espécie, surgem aventuras em vários períodos do tempo geológico, a partir de um lugar neutro, onde conhecem alguns animais de espécies extintas, como dodô, tigre-da-tasmânia, macrauquênia e tricerátopo.

Uma espécie é considerada extinta quando o último indivíduo da espécie morre. Algumas, como espécies de dinossauros, não conviveram com a gente e só as conhecemos pelo registro fóssil. Outras, conviveram conosco e algumas pessoas do passado as conheceram, e geralmente foram a causa da extinção destas espécies, como aconteceu com o dodô e o tigre-da-tasmânia.

tricerátops de pelúcia
tricerátops de pelúcia
representação realista de um Triceratops
representação realista de um Triceratops

Bichinho de pelúcia fofinho do tricerátopo...

...representação de um Triceratops que existiu, não tão fofinho.

Isto mesmo, você leu direito. As aves são dinossauros, ou seja, as aves que conhecemos hoje são descendentes de um grupo de dinossauros que sobreviveu à colisão do meteoro. Registros fósseis já mostraram que alguns dinossauros possuíam penas, apesar de nenhum deles voar. Alguns dinossauros eram planadores, mas nenhum realmente voava.

Alma, do gênero Macrauchenia, é no mínimo um animal incomum, para não dizer estranho. Parecia um cavalo com tromba de elefante! A forma estranha deste mamífero também intrigou Charles Darwin, que encontrou fósseis deste gênero na Patagônia. O gênero é endêmico da América do Sul, incluindo o Brasil. São herbívoros não muito maiores que um cavalo e são parentes distantes dos cavalos, rinocerontes e antas. Surgiram a cerca de 7 milhões de anos atrás e se extinguiram a cerca de 10.000 anos atrás. Provavelmente, foram extintos por outros animais que migraram da América do Central e do Norte, quando se formou a ligação com a América do Sul.

Um gênero endêmico é aquele que ocorre ou ocorreu somente em uma região do Planeta. Por exemplo, o gênero Macrauchenia ocorreu somente na América do Sul e em nenhuma outra parte do mundo. Então ele é endêmico da América do Sul. O mesmo pode ocorrer com uma espécie, por exemplo, a espécie do dodô era endêmica da Ilha de Maurício e não ocorria em nenhum outro lugar.

Dottie, a dodô (Raphus cucullatus), é uma ave grande que não voa e só vivia na Ilha de Maurício, no Oceano Índico a leste de Madagascar. Eram parentes dos pombos, mas com cerca de 1 metro de altura, asas pequenas e bicos grandes. Viveu muito bem na ilha até a chegada de marinheiros, em 1589, e foi completamente extinta menos de 100 anos depois. Como não conheciam humanos, os dodôs não tinham medo e foram caçados facilmente pelos marinheiros e os poucos habitantes locais. Além disto, as pessoas levavam animais de outras regiões para a ilha, como macacos, veados, porcos e os ratos que tripulavam os navios. Estes animais exóticos na ilha competiam por alimento e comiam os ovos do dodô. Junto a isto, a floresta foi bastante destruída. Pronto! Temos a extinção de uma espécie causada por nós.

Reconstrução do tigre-da-tasmânia

Fonte: Biodiversity Heritage Library, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons

Tigre-da-tasmânia do Grant Museum of Zoology, Londres

Fonte: Emőke Dénes, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

O tilacino ou tigre-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus) é conhecido no filme como Burnie. Ele era uma mamífero marsupial, que tinha uma bolsa onde carregava os filhotes, como o canguru. Em tempos remotos, o tigre-da-tasmânia ocorria em toda Austrália e Nova Guiné, mas cerca de 3.200 anos atrás sua distribuição estava reduzida a uma pequena população na ilha da Tasmânia. Era um carnívoro noturno, que se alimentava de cangurus, roedores e pássaros e depois da colonização da Tasmânia começou a caçar ovelhas. Depois disto, foi decretado o seu fim quando a caça foi estimulada pelo governo, o seu ambiente foi destruído, cães foram introduzidos e competiam por alimento e, possivelmente, com a chegada de novas doenças. O último tigre-da-tasmânia morreu no zoológico em 1936 e cerca de 50 anos depois a espécie foi declarada extinta. Esta extinção foi relativamente recente, e infelizmente também por atividades humanas.

Pessoal, aprendi nos filmes que vilão sempre se dá mal no final. Se formos os vilões nesta história, vamos nos dar mal também. Vocês adultos podem ser que não vejam as consequências, mas nós crianças de hoje e as crianças do futuro verão!

Sobre a autora:

Giovana Secretti Vendruscolo é professora da UNILA e coordenadora do FanBio.

Publicado em 01 de abril de 2022.

Charles Darwin viveu de 1809 a 1882 e foi um naturalista inglês que publicou, em 1859, o livro On the Origin of Species (A origem das espécies). Junto com Alfred Wallace apresentou a teoria da evolução por seleção natural.

desenho de ilha com um vulcão em erupção
desenho de ilha com um vulcão em erupção
dois donuts com cobertura
dois donuts com cobertura

Representação da pequena ilha, que não existe...

...representação de donuts, que são gostosos, mas definitivamente não são animais.

cena do filme mostrando os Flummels, bichinhos em formato de donuts
cena do filme mostrando os Flummels, bichinhos em formato de donuts
personagens principais do filme: um Macrauchenia, um dodo, um tricerátops e um lobo-da-tasmânia
personagens principais do filme: um Macrauchenia, um dodo, um tricerátops e um lobo-da-tasmânia

Flummels representados no filme “Flummels: Extintos!”.

Fonte: https://www.adorocinema.com

Animais extintos representados no filme “Flummels: Extintos!”.

Fonte: https://www.adorocinema.com

Dos animais extintos, Hoss, o tricerátopo, foi o que viveu a mais tempo, no final do período Cretáceo, aproximadamente entre 68 e 66 milhões de anos atrás, no que hoje é a América do Norte. O tricerátopo é do gênero Triceratops, que significa “rosto com três chifres” em latim. Provavelmente, não era tão fofinho e delicado como aparece no filme ou são representados nos bichinhos de pelúcia, pois tinha 3 chifres afiados e uma placa na cabeça e media cerca de 9 metros, pesando 6 a 8 toneladas. Foi herbívoro e um dos últimos dinossauros (sem contar as aves) da história evolutiva, antes da extinção em massa que ocorreu há 66 milhões de anos. Foi extinto junto com os outros dinossauros, devido a colisão de um meteoro na Terra.

representação realista de um Macrauchenia, que se assemelha a um camelo com tromba
representação realista de um Macrauchenia, que se assemelha a um camelo com tromba
esqueleto de Macrauchenia exposto em um museu
esqueleto de Macrauchenia exposto em um museu

Reconstrução de Macrauchenia

Fonte: Mauricio Anton (https://www.nhm.ac.uk/)

Macrauchenia no American Museum of Natural History, New York

Fonte: Ghedoghedo, Domínio Público, via Wikimedia Commons

reconstrução realista de um dodô
reconstrução realista de um dodô
esqueleto de um dodô exposto em um museu
esqueleto de um dodô exposto em um museu

Reconstrução do dodô

Dodô no Natural History Museum

Fonte: Simone Graziano Panetto from Torino, Italy, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons

reconstrução realista de um lobo-da-tasmânia
reconstrução realista de um lobo-da-tasmânia
esqueleto de um lobo-da-tasmânia em um museu
esqueleto de um lobo-da-tasmânia em um museu

O filme se desenvolve com muitas aventuras, vilões e mocinhos. Duas rosquinhas, Op e Ed, com ajuda dos extintos Dottie, Hoss, Alma e Burnie vencem o vilão e a espécie Flummelius hidelia (rosquinhas) não é extinta. Oba! Na ficção todos ficaram felizes (menos o vilão, claro!). Na vida real nem sempre o final é feliz para muitas espécies. Extinções de espécies são um processo natural, porém nos últimos dois séculos estamos acelerando muito este processo, ou seja, estamos sendo os vilões da história. Além do dodô e o tigre-da-tasmânia, somos os responsáveis pela extinção de muitas outras espécies, inclusive brasileiras, como o rato-de-noronha (Noronhomys vespuccii); as aves gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti), caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum) e limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi); e a perereca-verde-de-fímbria (Phrynomedusa fimbriata). Estes são só alguns exemplos de animais já extintos por nós, isto que nem falamos das plantas, microorganismos e fungos! A curto prazo, somos vilões porque poluímos, caçamos, desmatamos a floresta e introduzimos espécies exóticas ou deixamos que tudo isto aconteça. A longo prazo, somos vilões porque estamos acelerando a mudança do clima, não permitindo o ajuste das espécies.

macaco com filhote a frente de uma floresta onde há um incêndio
macaco com filhote a frente de uma floresta onde há um incêndio
uma praia cheia de lixo
uma praia cheia de lixo

Destruição das florestas...

... e poluição.

Em uma mudança climática gradual, as espécies se ajustam por meio da aclimatação, adaptação evolutiva, migração ou busca de refúgios. Com o ritmo da mudança climática hoje, logo teremos muitas espécies extintas em décadas ou séculos, o que podemos chamar de extinção em massa. O que não estamos nos dando conta é que tanto na ficção quanto na vida real os vilões sempre saem perdendo. O que vamos perder? No mínimo, ar puro, água potável e alimentos. O que podemos ganhar? No mínimo, mais epidemias, doenças respiratórias e intoxicações por agroquímicos e metais pesados.

planeta Terra com máscara cirúrgica
planeta Terra com máscara cirúrgica

Consequências das ações humanas

Para saber mais:
Angst, D., Chinsamy, A., Steel, L. et al. Bone histology sheds new light on the ecology of the dodo (Raphus cucullatus, Aves, Columbiformes). Sci Rep 7, 7993 (2017). https://doi.org/10.1038/s41598-017-08536-3
Alexandra A.E. van der Geer,Leon P.A.M. Claessens,Kenneth F. Rijsdijk & George A. Lyras. The changing face of the dodo (Aves: Columbidae: Raphus cucullatus): iconography of the Walghvogel of Mauritius (2021). https://doi.org/10.1080/08912963.2021.1940996
Westbury, M., Baleka, S., Barlow, A. et al. A mitogenomic timetree for Darwin’s enigmatic South American mammal Macrauchenia patachonica. Nat Commun 8, 15951 (2017). https://doi.org/10.1038/ncomms15951
Martinelli, G., Moraes, M.A. Livro vermelho da flora do Brasil. 1. ed. - Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson: Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2013.
Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção: Volume 1. 1. ed. -Brasília, DF: ICMBio/MMA, 2018.
Sage, R.F. Global change biology: A primer. Glob Change Biol. 26: 3-30 (2020). https://doi.org/10.1111/gcb.14893
https://www.youtube.com/watch?v=4Dm7l7U0KBE
https://apassarinhologa.com.br/aves-extintas-dodo-raphus-cucullatus/
https://nationalgeographic.pt/natureza/actualidade/2517-o-novo-aspecto-do-dodo
https://www.nhm.ac.uk/discover/dino-directory/triceratops.html
https://www.ufrgs.br/faunadigitalrs/macrauquenias/
https://australian.museum/learn/australia-over-time/extinct-animals/the-thylacine/
https://www.iucnredlist.org/